DESTRUA O LADO ESQUERDO
“...por um lado, como o mundo figural do sonho,
cuja perfeição independe de qualquer altitude intelectual do indivíduo, por
outro, como realidade inebriante, que não leva em conta o individuo, mas
procura ainda por cima destruí-lo e liberta-lo por meio de um sentimento
místico de liberdade.”
(Nietzsche. O Nascimento da Tragédia.)
Entre o sonho febril e o êxtase libertário, Subconcious
Cruelty discursa na ala dos excessos. Figurando entre obras extremas do underground
como um polêmico objeto/fetiche, onde o “polêmico” ofusca a ousadia de um jovem
cineasta que dedicou cinco anos na execução do filme sem concessões, entregue
de forma lúcida e consciente ao material bruto com que trabalhava.
Toda a violência gráfica posta no filme é
essencial, ela é em boa parte a narrativa. Os quatro segmentos do filme: "Ovarian Eyeball",
"Human Larvae", "Rebirth", and "Right
Brain/Martyrdom", desafiam o espectador a adentrar este darkside e se despir de
pudores. O filme não oferece uma lição de vida, mas uma experiência estética
transbordando de poesia orgânica onde a sexualidade, a violência, a
iconografia cristã são matérias-prima para expressar uma revolta
contra hipocrisias e conservadorismo.
O primeiro segmento, “Ovarian Eyeball", começa
apresentado os dois hemisférios do cérebro: o lado direito controla os
pensamentos intuitivos, passionais e criativos enquanto o esquerdo domina os
pensamentos lógicos e racionais, algo muito similar à definição da natureza da
arte feita por Nietzsche. Segundo o filósofo, a arte provem de dois impulsos
próprios à natureza do homem, o “sonho” e o “êxtase”, respectivamente
representados pelos deuses da mitologia grega Apolo (representante da arte
figurativa) e Dionísio (representante da arte não-figurada), impulsos
antagônicos como os lados do cérebro (Apolo/esquerdo e Dionísio/direito).
DESTRUA O LADO ESQUERDO (destrua o apolíneo), essa legenda anuncia a ruptura, o
momento em que o dionisíaco toma de assalto e impõe sua embriaguez simbólica.
O filme discute o gesto criador e destruidor em "Human
Larvae", a relação destrutiva homem sobre a natureza em "Rebirth"
e a religião em sua forma comercial e narcótica em "Right
Brain/Martyrdom."
Subconcious Cruelty se assume como uma mentira em
celulose, um desabafo da alma de um então jovem artista que cumpre o seu papel
ao perceber como Nietzsche que o artista nos dá o “belo” quando contribui para
intensificar nossa vida.
MATADOURO apresenta:
Subconscious Cruelty, de Karim Hussain
"Subconcious Cruelty" é como um parto complicado.
Suas contrações têm um ritmo acelerado e como o título sugere, partem de um
lado obscuro e pulsante onde a raiva e o descontentamento nascem. Quatro
segmentos dão forma ao filme onde pesa uma atmosfera de repulsa às instituições
sociais e religiosas. Um parto entre gritos e excessos, violento, sexual e
pagão. Ruptura total com a burocracia conformista e asséptica das imagens e
suas convenções narrativas. Muitas vezes procuramos na arte um fragmento
desconhecido de nós mesmos, uma tentativa de reconhecimento, um reflexo
agradável, mas até onde somos capazes de olhar nas trevas e admitir um pouco de
verdade? "Subconcious cruelty" é como um abismo que nos devora, ele
desafia nossa capacidade de mergulhar nesse mundo febril e perceber sua
profundidade através do choque.
Max Andreone (APJCC -2012)
Quarta, 16 de Maio de 2012
No atelier de artes da UFPA/ 18:30
Subconscious Cruelty (Canadá/1999)
Direção, Roteiro e Edição: Karim Hussain.
Nenhum comentário:
Postar um comentário